sexta-feira, junho 24, 2005

Noturno.

Meu pensamento em febre
é uma lâmpada acesa
a incendiar a noite.

Meus desejos irrequietos,
à hora em que não há socorro
dançam livres como libélulas
em redor do fogo.

Henriqueta Lisboa.

=> as noites têm sido assim.

segunda-feira, junho 13, 2005

Madres.

A campainha acordou-lhe daquele sonho estranho, onde crianças armadas faziam um arrastão por uma cidade não reconhecida e matavam a todos os que viam pela frente. O barulho a despertou. Em menos de um segundo ela já estava diante da porta e, mesmo que tentasse, seria impossível esconder sua respiração ofegante, acompanhada de tanta ansiedade e espasmo. Notícias noturnas não costumam ser muito boas.
Assim que levou uma das mãos ao trinco, lembrou-se de como estava vestida. Sua mãe sempre lhe dissera para não atender à porta de qualquer jeito, principalmente se esse jeito qualquer significasse pernas à mostra e camisola transparente. Naquele momento, não podia pensar nestas bobagens.
- "Minha mãe que me desculpe mas, a vida de alguém pode estar em jogo."
O exagero é uma arte da qual sempre entendera muito bem.
E abriu a porta estabanadamente.
Tamanha foi sua surpresa ao vê-lo jogado na escada com cara de bêbado. Faziam três meses que não se viam e, quando ela finalmente começava a desfazer todos os nós que ele havia deixado, eis que a criatura vinha bater a sua porta novamente.
A camiseta ainda era a mesma do último encontro, num tom azul celeste que enchia os olhos. Sem falar da estampa: uma foto daquela branca de voz rouca que embalara tantas de suas noites.
Percebia-se com facilidade que a calça preta não era nova, embora ela nunca a tivesse visto em seu corpo. O tênis alvi-negro que calçava era um xodó antigo, marca tradicional, símbolo da tribo.
No fundo, queria ter a coragem necessária para fechar a porta e trancá-lo do lado de fora. Como se conhecia o suficiente para considerar aquilo uma tarefa impossível, mais uma vez carregou-o pra dentro.

Larissa Campos