sábado, maio 24, 2008

Se acaso a felicidade estiver na próxima curva...

Assim que a casa dormisse, ela sairia da maneira mais mansa possível e se colocaria a rodar pela cidade sem destino certo. Subiria na bicibleta velha que o avô lhe deixara de herança, ativaria as pernas enferrujadas e só haveria de parar quando todas as forças estivessem mortas. Assim o fez. As primeiras pedaladas foram lentas e silenciosas, feito alongamento de quem se prepara para uma longa corrida. Aos poucos o vento no rosto tornava-se mais intenso, fazendo cócegas em sua alma e servindo de estímulo para que corresse mais e mais. A lei era apenas seguir em frente, em busca de mais vento. No fundo, tinha esperanças de que pudesse se sentir mais leve.
Desejava soltar frases desconexas pelo ar, transformá-las em serpentina que flutua pelos bailes em noites de carnaval. Querendo poupar o vento da terrível missão de carregar aquela tempestade de bobagens, preferiu cantarolar uma velha canção. E seria num inglês rápido e impreciso, para que nem ela mesma pudesse dar ao luxo de entender-se. Entre risos e tomadas de fôlego apareceram os primeiros versos. She never mentions the word addiction, e aumentava a intensidade das pedaladas. Se houvesse dor... she gives a smile when the pain comes. E reunindo forças... the pain gonna make everything alright. Precisava manter o ritmo, e se tivesse sucesso, voaria dentro de pouco tempo. Não! Ela não era anjo nem pássaro, embora eles fossem seus companheiros mais constantes. Jamais voaria.
Sentindo as pernas já fracas e o corpo a desfalecer, retomou o pouco ânimo que existia em seu espírito e tentou movimentar as pernas numa última tentativa de tornar o percurso maior. Músculos trêmulos, pele molhada, respiração rasa e agitada, cansaço saindo dos cantos dos olhos. O corpo ordenou que parasse. E ela parou.
Em meio ao transe, percebeu que estava a poucos metros da praia. Se corresse até lá poderia conseguir salvação. O mundo era pequeno demais para o tamanho dos seus pecados e o mar, talvez, pudesse amenizá-los. Correu, com a tontura comandando seus passos desequilibrados, torcendo pra que aquela água toda não fosse miragem, que se disfaz num piscar de olhos. Sapatos e roupas que ficassem pra trás. Quando os pés nus tocaram a areia fria da noite, ela precisou segurar-se firme em si mesma, para não ficar por ali. Corria com água nos olhos e desespero na alma. Alcançar o mar seria a oportunidade de uma vida novinha em folha, sem rabiscos e arranhões. Atirou-se ao mar e misturou toda a sua dor salgada às dores salgadas daquela imensidão líquida. Era o fim, mas era o começo do Novo.

Larissa Campos

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